As páginas dos jornais vêm hoje lotadas com o caso trágico ocorrido ontem, em Mirandela, com uma criança de 12 anos, que acabou por se suicidar nas águas do Tua.
Todos fomos conhecedores do caso, e todos ficamos chocados. Eu, pessoalmente, lamento-o profundamente.
Face a um caso desta envergadura, depois de acontecer o pior, ninguém tem dificuldade em identificar a sua gravidade e classificá-lo como bullying. Quanto a isso há consenso.
Todos falamos sobre o bullying, sobre a problemática envolvente, e todos nos admiramos pelo facto de não ser detectado.
Perguntamos: Como é possível ter chegado a este extremo sem ninguém ter dado conta?
Questionamo-nos sobre a incapacidade de pais e educadores agirem atempadamente.
Pois questionamos! É que nós temos uma ideia errada acerca do assunto. Consideramos que bullying é somente a violência NOTÓRIA perpetrada a um colega! Pensamos, mas pensamos mal!
Bullying não é só isso… Aliás, o bullying normalmente não começa assim…
Um agressor não é meramente aquele que espanca sistematicamente alguém. Há os agressores subtis, que quanto a mim poderão ser ainda mais perigosos do que os outros, principalmente porque não dão nas vistas. Paira, ainda, a ideia, entre pais, educadores e população em geral, que bullyin respeita apenas àqueles casos graves de espancamentos repetidos entre pares. Mas isto não é verdade.
Então, afinal, o que é isto do bullying de que tanto se fala?
Pois é, bullying consiste na violência física e/ou psicológica consciente e intencional exercida por um indivíduo ou um grupo sobre outro indivíduo, ou grupo, incapaz de se defender e que, em consequência de tal agressão, fica intimidado, podendo ver afectadas as respectivas segurança, auto-estima e personalidade.
Nesse caso… e assim sendo, a que é que podemos chamar violência?
Saberemos nós verdadeiramente quais são os contornos reais do bullying?
Não, não sabemos. Creio que o conhecimento sobre a matéria é completamente insuficiente.
Alexandre Ventura, do departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro assevera-nos que gozar, chamar nomes, ameaçar, empurrar, humilhar, excluir de brincadeiras e jogos são actos de bullying. E que embora estes sejam actos de todos os dias, que acontecem "desde sempre, desde que há crianças", devem ser atendidos com a mesma preocupação que outros que se nos apresentam mais evidentes. Acrescenta ainda que muitas vezes tais actos são considerados pelos adultos como "saudáveis" e "uma boa forma de aprender a viver e a defender-se", e como tal não se lhes dá relevância. Mas isso não é assim, pois estas atitudes, aparentemente pequenas e insignificantes, podem deixar marcas para toda a vida – podem marcar a personalidade de uma pessoa para sempre ao torná-la débil na capacidade de comunicação, ao torná-la incapaz de se afirmar em termos sociais, profissionais e amorosos. Por isso, é de primordial importância identificá-las e evitá-las.
Acrescenta, ainda, que as vítimas de "bullying" tornam-se muitas vezes pessoas tão frágeis que chegam mesmo a tentar o suicídio.
E o mais grave é que, ainda segundo aquele pedagogo, quando as vítimas procuram denunciar as situações em que vivem, "são mal recebidas, acabando por ser também vítimas de incompreensão".
"Normalmente, as vítimas sofrem em silêncio. Sentem-se ridículas e até culpadas pelo facto de serem vítimas. Os órgãos de gestão, os professores, os auxiliares de acção educativa e os pais têm de assumir as suas responsabilidades, deixarem de aceitar como normal o que é aberrante e injustificado, e agir", concluiu Alexandre Ventura.
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E se tivermos um filho que é vítima de bullying??? O que fazemos???
Talvez não saibamos tomar as melhores atitudes… pois não… Mas a verdade é que uma lágrima de um filho transforma-se num oceano para um pai!
Conto um caso:
Numa escola de 1º ciclo, uma criança de 8 anos tem sido, quase desde o início deste ano lectivo, excluída pela maior parte dos seus colegas. Brinca apenas com uma ou outra coleguinha que também não recebem a estima dos restantes da turma. E isto não acontece porque ela (ou elas) não queira brincar com os outros colegas, acontece porque os outros não a deixam participar nas suas brincadeiras. Ou melhor, duas colegas começaram por não querer brincar com ela e diziam aos outros para também não o fazer.
O que disseram os pais desta criança massacrada?
Para não ligar, para brincar com outras meninas ou meninos, para tentar entrar no grupo, mas para ter calma porque as coisas podiam não ser fáceis e para estar preparada para as barreiras que pudessem vir a surgir. Para não entrar em conflito com ninguém, para ser amiga dos outros, para ter confiança nela.
Começaram essas duas colegas dar-lhe sapatadas e pontapés, com o aval e a protecção dos outros. Todos frequentemente lhe chamam nomes, ridicularizam as suas roupas ou o que calça (roupas e calçado normalíssimos), inventam histórias, ampliam histórias, criticam a sua maneira de ser, o que faz e o que diz, ameaçam que lhe vão bater. Criticam a sua mãe, por causa das opções políticas (que são públicas, mas não acolhem o agrado da maioria), dizem-lhe (fundamentalmente essas duas) que ela é pobre porque a mãe é de um partido de esquerda e que “por ser pobre é que está na política”.
O que lhe disseram os pais desta criança maltratada?
Que elas não sabem o que dizem, que estão erradas, que a mentalidade delas é tacanha o suficiente para não verem nada à sua frente a não ser um conjunto de factores supérfluos e vazios que não interessam a ninguém, que se pensam assim, coitados! Que ela (a agredida) é bonita (porque é), inteligente (porque é), e que o problema não está nela, mas nas outras. Que não ligasse aos insultos, mas que reagisse sempre que alguém a quisesse agredir fisicamente – que se defendesse, e caso não fosse suficiente, que atacasse também.
O que é que a pequena dizia?
Que não lhes podia fazer nada, porque eles eram muitos e para além de tudo, se reagisse iria ser posta de castigo e não queria, que era pior.
Os pais insistiam, e diziam-lhe que não se preocupasse, que caso ficasse de castigo por causa disso, logo se resolveria, mas que não podia permitir que a maltratassem.
Não reagiu.
Um dia, uma dessas duas, agrediu-a fisicamente e com violência, na zona da cabeça. Nessa altura, a pequena tinha acabado de furar as orelhas e a agressora conseguiu enterrar-lhe o brinco na orelha, que ainda não tinha acabado de cicatrizar. Uma mãe, que se encontrava pela escola, telefonou à mãe da agredida para que viesse imediatamente porque a sua filha estava a sangrar e precisava de auxílio. A mãe pôs-se na escola em menos de nada e foi informada, pelas mães que lá estavam, do que tinha acontecido. A petiza teve que recorrer aos serviços de enfermagem e foi sujeita a alguns tratamentos aí localizados.
O que fez a mãe da criança agredida?
A mãe ficou desesperada, mas entendeu que a melhor via seria a conversa. E foi conversar com a mãe da agressora, apesar das súplicas da filha para não o fazer.
- Por favor, mãe, por favor, ainda vai ser pior! – Dizia ela.
A conversa da mãe da agredida com a mãe da agressora correu bem. A mãe da agressora prometeu que iria repreender a filha, pediu desculpa e condenou a atitude, afirmou que desconhecia o que se estava a passar, que nem percebia o porquê de tudo estar a acontecer e que depois dizia alguma coisa. (Nunca disse)
A mãe da agredida pensou que o assunto, embora delicado, pudesse ter um fim ali.
Mas não terminou!
As situações de exclusão mantiveram-se, as verborreias mantiveram-se, os ataques mantiveram-se.
A preocupação dos pais agravava-se, mas a atitude mantinha-se – Reage, filha, reage! Não te deixes intimidar. Se não querem brincar contigo deixa lá, brinca com outros, vai para a beira da tua irmã, junta-te a fulana ou a sicrana. Tenta ser amiga de todos e tenta entrar no grupo aos poucos, vais ver que consegues. Não penses que o problema é teu, porque não é. Tu tens amigos nos escuteiros, no Karaté, dás-te bem com os teus primos, com outras crianças… não penses que o defeito é teu, não te culpabilizes…
Quando a mãe a ia levar à escola, ficava sempre que podia por lá, tentava dar algum apoio, pelo menos enquanto não chegavam as professoras ou a sua única amiga.
Ao sair da escola, a mãe perguntava-lhe sempre como tinha corrido o dia, e o mais discretamente que podia, se tinha estado sozinha ou tinha brincado com o grupo.
A resposta era, maioritariamente, a mesma: “Estive a brincar com Fulana, mas não te preocupes, eu não me importo que não me deixem brincar com eles, eu estou bem.”
Claro que não estava, mas os pais não podiam fazer muito. Pois, embora todos os pais queiram que os seus filhos sejam amados pelos colegas, essa não é uma tarefa que dependa deles – ninguém pode “obrigar” ninguém a gostar de ninguém.
Terça-feira passada, esta criança voltou a ser agredida com intensidade por uma dessas duas colegas.
Enquanto estava no WC com a sua única amiga, foi abordada pelas duas principais instigadoras do grupo que destilaram o seu ódio para cima dela. Perante uma reacção da agredida, uma das agressoras deu-lhe uma estalada. A agredida ia reagir, não fosse a amiga chamá-la a atenção para a circunstância de estar a sangrar pelo nariz. A pequena não quis dar parte fraca e escondeu o quanto pôde esse facto dos colegas – iria ser alvo de chacota, pensou.
No fim do dia, estava de rastos. Tinha sofrido e estava a sofrer.
Contou à mãe. Contou à irmã. Não quis contar a mais ninguém.
O que fez a mãe da criança violentada?
Insistiu para que reagisse.
Ela não fez nada, não conseguiu, mas a irmã agiu: No dia seguinte passou uma rasteira à agressora e ela estatelou-se no chão!
Fez mal? Com franqueza, deixemo-nos de querer ser politicamente correctos, deixemo-nos de tretas: Fez! Fez bem. “Defendeu” a irmã que estava a ser vítima de agressões.
Como reagiram os colegas?
Ameaçaram a vítima mais uma vez, fizeram-no em grupo, por covardia (eram 17 contra uma), preveniram-na que no recreio da tarde ela ia ver o que era bom, que aí é que ia chorar.
A criança, à hora do almoço quase tinha um colapso. Chorou, chorou, disse que não queria voltar para aquela escola, que quem lhe dera morrer!
O que fez a mãe da ofendida?
Tentou descansá-la, apoiá-la. Pediu-lhe para não se preocupar que iria resolver o problema, que não iria deixar que nada de mal lhe acontecesse.
Foi, então, falar com a professora, contou-lhe o que se passava e solicitou-lhe que estivesse especialmente atenta, que estivesse prevenida. A professora confirmou que já se tinha apercebido de alguma coisa estranha na classe, mas não sabia exactamente o quê. Que eles se peganhavam, mas que eram todos, de uma forma geral. A professora mostrou-se cooperante.
Enquanto falava com a professora, do lado de fora da escola, a mãe da agredida percebeu que o grupo agressor estava à porta da escola e continuava a ameaçar a sua filha com gestos e palavras inapropriadas. Mostravam-se insolentes e provocadores.
A mãe falou com a professora, mas não ficou sossegada, face à atitude dos colegas.
Foi trabalhar, mas não trabalhou… Passou a tarde a ver como haveria de resolver o problema. Tentou falar com uma psicóloga conhecida, mas não a encontrou. Tentou ligar para a linha bullying, mas não conseguiu – o número de telefone que consta das informações já não está activo, mudou. Quando o conseguiu saber, informaram-na que só funcionava das 18h às 20h. Esperou. Esteve a tarde toda a fervilhar.
Resolveu ir falar com a mãe de um desses colegas. Foi. A mãe dele mostrou-se preocupada, admirada e prometeu resolver o problema.
A mãe da agredida continuava a pulular. Só ficaria sossegada quando voltasse a ver a filha.
A mãe da agredida telefonou ao marido a quem contou o que se estava a passar. O pai da agredida rebentou. Foi à escola. Foram os dois à escola. Esperaram pelo toque. Agiram de cabeça quente. Estavam nervosos. Agiram!
O pai da agredida por várias vezes afirmou, em tom elevado, é verdade, que, se queriam bater na filha dele que o fizessem, mas de um para um, não 17 contra um. Desafiou (não dirigindo-se às crianças directamente, mas em alta voz) cada um dos agressores a confrontarem-se com a filha, individualmente, para se saber, afinal, quem eram os heróis.
Na frente da mãe da agredida, o colega, filho da pessoa com quem ela tinha estado a falar naquela tarde, atestou que andavam a perseguir e a bater à agredida porque aquelas duas instigadoras lhes pediam para o fazer. (Não se riam disto, e não digam que se vão é porque querem, que ninguém obriga ninguém - a valentia dos covardes apoia-se na fragilidade dos outros, e é bem mais fácil, sabêmo-lo, estar do lado dos mais fortes do que do lado dos mais fracos!)
A mãe pediu justificações ao pai de uma das principais agressoras. Mas esse pai teve uma atitude insolente tal qual a que a filha tem, foi cínico, … hipocritamente calmo. Tal atitude teve na mãe da agredida um efeito nefasto. Fê-la reagir como ela não queria reagir.
Quando a mãe da agredida, a meio da conversa, referiu ao pai da agressora que isto era bullying, o ilustre pai riu-se cinicamente, como quem diz “esta é maluca” e replicou: “bullying, ã, ora essa. E também não conhece a sua filha no contexto escola.”
Pois não, não conhece, assim como esse pai também não conhece a sua filha – ou para a filha dele essa máxima não se aplica?
Quando confrontado com o facto de ser a filha dele uma das que pedia para os outros baterem na agredida, respondeu petulante: “E quem diz isso? As crianças dizem o que quiserem.”
Em nenhuma altura este pai referiu que iria averiguar o que se passava, que a iria repreender a filha, ou que iria falar fosse com quem fosse. Este pai demonstrou que considerava que a filha dele era uma criança fofinha e inofensiva.
Os pais da agredida agiram mal?
Agiram, certamente… excederam-se… Objectivamente podemos dizer que será um comportamento incorrecto. É.
Subjectivamente?
É fácil dizer o que está certo ou errado quando não é nada connosco. É fácil dizer como mover-se quando não se trata dos nossos filhos. É fácil falar quando se está de fora. Não é fácil para quem passa por elas.
A mãe da agredida hoje foi falar com a Directora da escola, “justificar-se” e esclarecer qualquer mal entendido.
… Quiseram os agressores hoje passar a vítimas…
Fizeram-no de tal forma que a criança agredida afiançava, ao sair da escola, que a culpa era dela. Que ela é que tinha provocado tudo…
Mal de nós se depois tudo isto os agressores passam a vítimas e os agredidos passam a carrascos!!!!
E agora pergunto: Ter-se-à consciência de que isto é bullying? Não!
“São atitudes de crianças”, disseram-me! Bullying não é.
Não????
Volto à pergunta crucial: O que é o bullying? Como se manifesta? Quais as suas consequências?
Podemos obter respostas
aqui,
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Penso que precisamos todos de mais informação sobre o tema. Professores, funcionários das escolas, pais, deveriam ter formação específica sobre esta matéria. Deveriam saber exactamente como detectar estas conjunturas, como agir, o que fazer.
Há que denunciar as situações. Os agredido, ou seus pais, não devem envregonhar-se, deixem essa vergonha para os agressores e os seus progenitores que é a quem ela pertence.
Há que referenciar as crianças que atacam, identificá-las, vigiá-las, corrigi-las.
Há que defender os que padecem, protegê-los, apoiá-los.
É de primordial importância que exista nas escolas um espaço, um gabinete, aonde as crianças e jovens, vítimas ou simples testemunhas, possam ir denunciar aquilo que viveram ou viram acontecer.
Deixo um alerta: Pais, estejam atentos. Ajam! E façam-no quer os vossos filhos estejam na posição de vítimas quer estejam na de ofensores.
Existe uma linha específica para o bullying, que pertence à Associação Nacional de Professores, para a qual se pode ligar das 18h às 20h: agora esse número é o 961 333 059.
Falem na escola atempadamente, digam à professora, à Directora, aos funcionários.
Se não obtiverem resposta positiva da escola, contactem a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, o Ministério Público. O Agrupamento, a DREN, o Ministério da Educação, a Ministra se for preciso. O Primeiro-ministro, o Presidente da República. Seja quem for.
Denunciem, não fiquem calados.