terça-feira, 17 de novembro de 2009

Na Terra do Medo!

Vejo, com grande tristeza, que na nossa terra não se debate com abertura, não se contesta com frontalidade, não se luta pelo que se acha certo, não se enfrentam com coragem os problemas.
Parece-me estranho existir quem vê, ouve, sabe, sente a injustiça (dirigida a si ou aos outros); vê, ouve, sabe, sente um caso (ou mais) de corrupção; vê, ouve, sabe, sente uma situação de tráfico de influências… e fique calado. E ficar calado é NÃO DENUNCIAR PELOS MEIOS PRÓPRIOS.
Parece-me estranho que não se lute por algo em que se acredita. Parece-me estranho que não se apoie quem julgamos que tem razão.
A primeira vez que tive contacto com um processo judicial de alguém aqui de Famalicão, ainda eu exercia a minha actividade no Porto. Nessa altura, fui surpreendida pelo meu cliente quando ele me asseverou QUE NÃO TINHA TESTEMUNHAS.
- Mas não tem testemunhas? Não tem testemunhas como? Porquê? Ninguém viu? - Perguntei abismada.
- Não, não é isso… – explicou timidamente – As pessoas não querem ser testemunhas…
- Não querem ser testemunhas? Não querem ser testemunhas, porquê? – Continuava eu cada vez mais admirada.
E não queriam porque não queriam pôr os seus empregos em causa; não queriam confusões; não se queriam expor… enfim, porque tinham MEDO.
- Medo? MEdo? MEDo? Mas MEDO de quê? Medo porquê? – Indagava espantadíssima.
Na realidade, não entendi. Não entendi nem aceitei.
- É impossível! O Sr. fale com os seus colegas, explique-lhes a situação, alguém há-de ser sua testemunha.
O assunto, naquele dia, ficou por ali, mas para mim estava longe de ser encerrado.
Depois disso, insisti com o cliente até à exaustão… Telefonei-lhe enumeras vezes, marquei imensas consultas, sempre com o mesmíssimo assunto:
- Então, Sr. X, já arranjou testemunhas? Sabe que sem testemunhas não há processo? – Dizia-lhe eu.
E ele sabia, mas a sua resposta era sempre a mesma:
- Sabe… ninguém quer… eu até compreendo, eles têm a vida deles e não os posso prejudicar…
- Não os pode prejudicar? Isso não pode ser! Hoje é o Sr. que precisa deles, amanhã são eles que precisam de si… - Pois quem não compreendia era eu.
O tempo foi passando, até que chegou a hora de apresentar o chamado ROL DE TESTEMUNHAS. Já não tínhamos tempo para hesitações, era mesmo urgente indicar alguns nomes, caso contrário, teríamos que desistir da acção.
Nessa altura, afirmei-lhe que qualquer cidadão, conhecendo os factos, tem obrigação de ser testemunha e que os deve relatar com verdade em Tribunal. Ele, a medo, respondeu que haveria de indicar esses nomes…
… E assim foi…
O limite máximo de testemunhas, naquele caso, era de 20 – 5 por cada quesito – e o Sr. X ofereceu 20 depoentes.
- Então, Sr. X, sempre conseguiu quem viesse confirmar a sua história? – Disse.
- Pois, parece que sim. – Balbuciou ele.
- Vamos lá ver… o que sabem elas? – Inquiri.
- Tudo… - Retorquiu. – Todas trabalham lá, todas viram isto, aquilo, aqueloutro…
- Pronto… - Disse eu vitoriosa – afinal temos testemunhas!
Preparamos o julgamento, decidimos ao que cada uma ia responder… e estávamos confiantes… Nada podia falhar. É claro que, aquelas pessoas, tendo conhecimento do que se tinha passado, não iriam ter a CORAGEM de o negar em Tribunal.
Lá isso era, era se fosse!
Chegou o dia do julgamento… começou a ouvir-se a prova (A NOSSA PROVA, POIS CLARO!)… As testemunhas foram entrando… e eu instando…
- Bom dia Sr.ª Testemunha. Diga-me, por favor, sobre este assunto o que se passou?
E as ditas, uma a uma, foram respondendo:
- Não sei, não vi, não sei…
Não queria dar-me por rendida, e teimei:
- Mas, no dia tal a Sr.ª Testemunha não estava no seu posto de trabalho?
- Ah, e tal, estava... mas não vi, não ouvi, não sei de nada… - Asseguravam.
Primeira, segunda, terceira, quarta … vigésima testemunha, todas com a mesma resposta.
- O quê? Não sabe? Não viu? Não ouviu? – Perguntava enquanto entreolhava o cliente completamente incrédula.
Estava escandalizada! Não sabia que isto podia acontecer! Não estava habituada a isto!
Normalmente travava combates duríssimos, onde as partes contestantes disputavam em pé de igualdade. Estava acostumada a ver os adversários apresentarem-se em Juízo com as mesmas armas. Até estava avezada a ver gente oferecer-se para testemunha, imagine-se!
Pois bem,… Terminou o julgamento, foi proferida a sentença… e, claro está, a acção foi julgada totalmente improcedente por falta de prova…
Devo dizer que a primeira experiência profissional aqui na terra me deixou profundamente decepcionada!
A partir daí, mais casos se sucederam… E a resposta primeva ao meu pedido de testemunhas é invariavelmente a mesma: EU NÃO TENHO TESTEMUNHAS… NINGUÉM QUER…
E ninguém quer porque TEM MEDO! Medo sabe-se lá do quê! Medo principalmente de desarranjar as suas vidinhas… que estão tão bem assim… Problemas para quê?
…É esta consciência humana que, por mais que me esforce, não consigo compreender, não aceito nem me resigno!

4 comentários:

  1. é isso mesmo...... muito medo de se perder o pouco que se ganha no dia a dia., faz falta outro e novo 25 de ABRIL

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  2. A verdade é que, pela experiência que tenho, quem menos reivindica é quem mais perde. Na hora da verdade, aquele que esteve do lado "dos mais fortes" é dispensado, sem dó nem piedade! "o mais forte" nunca reconhece um favor... acha sempre que "o mais fraco" lhe deve tudo... mesmo a própria vida! Quando "o mais fraco" luta, reivindica, exige o que tem direito, coloca-se ele próprio numa posição de vantagem, e raramente consegue ser derrotado.

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  3. E é por isso que eu te admiro profundamente.

    Parabéns pelo blog, tia Táti ;)

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  4. Ó meu amor, e eu at ti também, sobrinha gécá

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