terça-feira, 16 de março de 2010

VÃO-SE EMBORA - Mahmud Darwish



Passageiros entre palavras fugazes:
carreguem os vossos nomes e vão-se embora,
Cancelem as vossas horas do nosso tempo e vão-se embora,
Levem o que quiserem do azul do mar
E da areia da memória,
Tirem todas as fotos que vos apetecer para saberem
O que nunca saberão:
Como as pedras da nossa terra
Constroem o tecto do céu.

Passageiros entre palavras fugazes:
Vocês têm espadas, nós o sangue,
Têm o aço e o fogo, nós a carne,
Têm outro tanque, nós as pedras,
Têm gases lacrimogéneos, nós a chuva,
Mas o céu e o ar
São os mesmos para todos.
Levem uma porção do nosso sangue e vão-se embora,
Entrem na festa, jantem e dancem…
Depois vão-se embora
Para nós cuidarmos das rosas dos mártires
E vivermos como queremos.

Passageiros entre palavras fugazes:
Como poeira amarga, passem por onde quiserem, mas
Não passem entre nós como insectos voadores
Porque temos guardada a colheita da nossa terra.
Temos trigo que semeámos e regámos com o orvalho dos nossos corpos
E temos aqui o que não vos agrada:
Pedras e pudor.
Se quiserem, levem o passado ao mercado de antiguidades
E devolvam o esqueleto à poupa
Numa travessa de porcelana.
Temos o que não vos agrada: o futuro
E o que semeamos na nossa terra.

Passageiros entre palavras fugazes:
Amontoem as vossas fantasias numa sepultura abandonada e vão-se embora,
Devolvam os ponteiros do tempo à lei do bezerro de ouro
Ou ao horário musical do revólver
Porque aqui temos o que não vos agrada. Vão-se embora.
E temos o que não vos pertence:
Uma pátria e um povo exangue,
Um país útil para o olvido e para a memória.

Passageiros entre palavras fugazes:
É hora de vocês se irem embora.
Fiquem onde quiserem, mas não entre nós.
É hora de se irem embora
Para morrerem onde quiserem, mas não entre nós
Porque nós temos trabalho na nossa terra
E aqui temos o passado,
A voz inicial da vida,
E temos o presente e o futuro,
Aqui temos esta vida e a outra.
Vão-se embora da nossa terra,
Da nossa terra, do nosso mar,
Do nosso trigo, do nosso sal, das nossas feridas,
De tudo… vão-se embora
Das recordações da memória,
Passageiros entre palavras fugazes.


2 comentários:

  1. Cara Teresa Fidalgo
    também entre nós temos indesejáveis. E o mais triste que acontece, é que muitos deles deveriam ser desejados. Indesejam-se os que nos querem tirar a identidade, os que nos querem explorar, os que nos querem humilhar, mas muito acima desses, os que nos querem tirar o direito ao pensamento. Não foi com a democracia que eles foram aniquilados.
    Obrigado pelo excelente poema que nos apresentou.
    Briosas saudações

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  2. Poeta do Penedo,
    Tem razão... é indesejável todo aquele que oprime...

    Retribuição das saudações

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