quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

À espera no Centeio, de J.D. Salinger, 1951.


Acabei de ler o livro À espera no Centeio

Que prazer de leitura!
O romance é simples, voltado para a oralidade e cheio de emoções. É um daqueles livros que começando-se, só se pára na última página.
Digamos, é uma tragédia com humor, que narra dois dias da vida de um rapaz de 16 anos, Holden Caulfield, após a sua expulsão de um colégio particular de renome, situado nos subúrbios de Nova-Iorque, Pencey Prep, na década de 1950. Caulfield, é um adolescente rebelde e impulsivo, que vive preso na angústia inerente ao rumo artificial e hipócrita que a sua vida parece querer tomar.
Optou o autor por contar a história na primeira pessoa, imprimindo-lhe assim um cariz autêntico e natural.
O romance prima pela espontaneidade da linguagem, onde o calão e os palavrões são frequentes (sem serem ofensivos) e a repetição das expressões uma constante: O Holden está sempre “bestialmente deprimido” com tudo; e nunca “está para aí virado”, se o assunto o chateia… E chateiam-no muitos assuntos… Ele é boa pessoa, (“a sério que é”), tem bom coração (“e tudo”), até entende o que os outros lhe querem dizer, mas a verdade é que “não está para aí virado” e a maior parte das coisas e das pessoas “enjoam-no”. Ao longo da narrativa vamos lendo, amiúdas vezes, expressões como: «sinto-me bestialmente deprimido», «deu-me cabo dos cornos», «sinto-me só», «essa merda deixou-me ainda mais só», «não passam de refinados estupores», «armante do cabrão», «cretinos», «é uma coisa que me deixa louco», «poça, o que eu odeio tretas destas», «era de vomitar», «que é uma coisa que me deixa sempre lixado».

Esta história podia ter sido escrita ontem… ou hoje…, ou passar-se em qualquer outro lugar… trata-se, no fundo, de uma análise da condição humana, que é olhada com crítica e sem pudor.
A forma como o protagonista vê os outros, o que pensa a respeito das pessoas, das coisas, das situações que vai vivendo é bastante peculiar; fala dos amigos, da família, de sexo, de religião, da morte, do amor, com um humor inconsciente, mas refinado e profundo – pode ler-se imenso nas entrelinhas…
Começa assim:
“Se estão mesmo interessados nisto, então a primeira coisa que devem querer saber é onde é que nasci, e como foi a porcaria da minha infância, o que faziam os meus pais e tudo antes de eu ter nascido, e toda essa treta estilo David Copperfield, mas não estou nada para aí virado, para dizer a verdade. Primeiro, porque é o tipo de coisa que me chateia, e segundo porque os meus pais eram capazes de ter dois ataques cada um se eu me pusesse a contar alguma coisa de mais pessoal acerca deles. São bastante susceptíveis com coisas do género, especialmente o meu pai. São simpáticos e tudo…não é isso, mas também são susceptíveis como o raio. E depois não lhes vou contar a merda da minha autobiografia toda nem nada que se pareça. Vou-lhes contar só aquela história de loucos que me aconteceu o ano passado por volta do Natal antes de me ter ido completamente abaixo e de ter vindo parar aqui para me pôr em forma. Aliás, também foi só o que contei ao D.B. e ele é meu irmão e tudo. Ele está em Hollywood. Não fica muito longe deste sítio merdoso e vem cá visitar-me praticamente todos os fins-de-semana. É ele que me vai levar de volta para casa quando sair daqui, talvez para o mês que vem. Comprou agora um jaguar. Um daqueles brinquedinhos ingleses capazes de dar trezentos à hora. E que não lhe custou muito menos do que quatro mil brasas. Tem massa que se farta, agora. Dantes não. Era um escritor a sério, quando estava em casa. Escreveu aquele livro de contos incrível, O Peixinho Vermelho Secreto, para o caso de nunca terem ouvido falar. O melhor conto era “O Peixinho Vermelho Secreto”. Era sobre um miudito que não deixava ninguém ver o peixinho vermelho dele porque o tinha comprado com o seu próprio dinheiro. Deixou-me sem fala. Agora está em Hollywood, o D.B., a prostituir-se. Se há uma coisa que odeio, é o cinema. Nem quero que me falem nisso.”
(…)

O título À espera no centeio é no mínimo curioso e revelador: Holden gostava de estar no centeio a apanhar todas as crianças que desatassem a correr para o abismo, ou seja, gostava de impedir que as crianças crescessem e entrassem nesta fase triste e deprimente que é ser adulto.

Vale a pena ler, vale mesmo a pena!

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